Para elaborar sua profetologia, Maimônides retoma conceitos relativos às teorias do intelecto de Al-Fārābī e de Avicena, que, por sua vez, se baseiam nas noções sobre a alma de Aristóteles. Dessa perspectiva, a Revelação divina deve ser considerada um fato natural inserido na totalidade da natureza criada por Deus. Compreender a Revelação significa, portanto, compreendê-la a partir do homem, uma vez que o profeta, apesar de se tratar de alguém que se destaca do conjunto da humanidade, é sempre um ser humano, possuidor de uma natureza humana. Desse modo, a doutrina da profecia – central no "Guia dos Perplexos" ‒ é elaborada a partir da natureza humana à luz da filosofia racional greco-árabe. Os falāsifa – filósofos muçulmanos helenizantes – já ensinavam que a profecia é possível graças a certa perfeição da natureza humana (leia-se intelecto). Esse ensinamento está fundamentado na teoria do intelecto apresentada por Aristóteles em "De Anima" III, 5, 430a 10 et seq. Contudo, para os filósofos de expressão árabe (inclusive Maimônides), a profecia é resultante de certas condições físicas e psíquicas determinadas pelo fluxo necessário das emanações, cuja teoria deriva da "Teologia Pseudo-Aristotélica", um tratado neoplatônico atribuído ao Estagirita que, durante a Idade Média, circulou amplamente nos ambientes filosóficos tanto dos judeus quanto dos muçulmanos. Na cosmovisão neoplatônica adotada por eles, o intelecto do profeta reflete a luz e o conhecimento divino derramado pelo fluxo emanatório (fayḍ) do Ser primeiro no mundo celeste, composto pelas dez inteligências separadas, suas almas e esferas. No processo emanatório, a faculdade da imaginação do profeta recebe da última inteligência, o Intelecto Agente, as verdades dos preceitos positivos e culturais da religião, que a imaginação transforma em alegorias e símbolos a serem transmitidos para a humanidade. Maimônides faz da imaginação a pedra de toque de sua profetologia.
To elaborate his prophetology, Maimonides uses concepts relating to Al-Fārābī and Avicenna's theories of the intellect which, in turn, are based on Aristotle's notions of the soul. Within this perspective, divine Revelation should be considered a natural fact within the totality of nature created by God. Understanding Revelation therefore means understanding it from a human standpoint, since the prophet ‒ despite being a figure who is set apart from the rest of humanity – is always a human being, with a human nature. Thus, the doctrine of prophecy ‒ central to "The Guide of the Perplexed" ‒ is elaborated based on human nature in light of the rational Greco-Arabic philosophy. The falāsifa – the Hellenizing Muslim philosophers – taught that prophecy is possible thanks to certain perfection of the human nature (in other words, the intellect). This teaching is based on the theory of the intellect, as presented by Aristotle in "De Anima" III, 5, 430a 10 et seq. Therefore, for the philosophers of Arabic expression (including Maimonides), prophecy is the result of certain physical and psychic conditions determined by the necessary flow of emanations, whose theory is derived from the "Pseudo-Aristotelian Theology", a Neoplatonic treatise attributed to the Stagyrite which, in the Middle Age, widely circulated in the philosophical milieu, among both Jewish and Muslim. In the Neoplatonic cosmic vision which they adopted, the prophet's intellect reflects the divine light and knowledge overflowing from the emanatory flow (fayḍ) from the first Being in the celestial world, which is composed of the ten separate intelligences, their souls and their spheres. In the emanatory process, the prophet's faculty of imagination receives from the ultimate intelligence, the Active Intellect, the truths of the positive and cultural precepts of religion, which the imagination transforms into allegories and symbols to be transmitted to humanity. Maimonides makes the imagination the cornerstone of his prophetology.