RESUMO Esboça-se neste artigo uma possível via de interpretação ao problema ético-estético, ou ainda ético-poiêtico da criação de si, a partir de uma reavaliação da noção de hipocrisia, enquanto arte do engano e arte do ator, reaproximando-a da hypókrisis [ὑπόκρισις] grega. Para tanto, procura-se estabelecer um diálogo, ou mesmo um contraponto, com aqueles pensadores que, nas preleções de Foucault, conformaram na antiguidade clássica e helenística os elementos para se pensar, por meio do discurso parrêsiástico e da prática da áskêsis, a criação de si enquanto estética da existência. O lastro para essa compreensão vem de uma reavaliação das formas de inteligência estocástica e astuciosa que comandam a lida com a inconstância, a multiplicidade e os acasos - formas às quais os gregos atribuíram o nome da deusa Mêtis [Μήτις]. Mais afeitas a estas inconstâncias, práticas tais como: a simulação, a dissimulação e a ênfase - próprias da arte do engano - ganham sob essa ótica uma feição de virtuosidade que o pensamento filosófico hegemônico, afeito à retidão e ao enfrentamento heroico diante do real, dificilmente se disporia a reconhecer.
ABSTRACT This paper outlines a possible way of interpreting the ethical-aesthetic or ethical-poiêthical problem of the creation of self, from a re-evaluation of the concept of hypocrisy, while art of deception and the art of the actor, reconnecting it with the greek hypókrisis [ὑπόκρισις]. For it aims to establish a dialogue, or even a counterpoint, with those thinkers who, in Foucault's lectures, conformed in classical and Hellenistic antiquity elements to think, through the parhêsiástic discourse and the practice of áskêsis, the creation of self while an aesthetics of existence. The ballast for this understanding comes from a re-evaluation of forms of stochastic and astute intelligence who command the dealings with the fickleness, the multiplicity and the accidents - which forms the Greeks attributed the name of the goddess Mêtis [Μήτις]. More related to these uncertainties, practices such as: the simulation, dissimulation and the emphasis - related to some art of deception - win under this optics a feature of virtuosity that the hegemonic philosophical thought, wont to the righteousness and the heroic confrontation facing the real, would hardly accept.