Resumo A cirurgia de laqueadura no Brasil é regulamentada pela Lei n. 9.263/1996, a chamada Lei do Planejamento Familiar. Esse diploma legal estabelece uma série de requisitos que, se preenchidos, garantem às mulheres o direito de se submeter a cirurgia de esterilização pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Todavia, não são raras as reclamações sobre a ineficácia da Lei, pois mesmo quando tais critérios são preenchidos, a cirurgia não é realizada. Nesses casos, o conflito poderá chegar ao Judiciário, que decidirá sobre a contenda. O presente artigo se debruça sobre um caso específico: no estado de Santa Catarina, entre os anos de 2015 e 2016, houve frequentes recusas de realização de laqueadura, o que gerou a judicialização de diversos pedidos. Dessa maneira, objetivou-se identificar tanto os fundamentos utilizados por hospitais e planos de saúde para recusa da cirurgia quanto os fundamentos utilizados pelos magistrados para autorização dos procedimentos: se houve observância das exigências legais estabelecidas e se a vontade da mulher foi levada em consideração. Para tanto, foram analisadas decisões judiciais proferidas nesse tempo-espaço, a partir das quais foi possível concluir que os juízes aplicam a lei de maneira indiscriminada, ora ignorando e ora salientando os requisitos nela estabelecidos, e, ainda, que existem resquícios, talvez não intencionais, de um pensamento controlista, preocupado não em respeitar o desejo individual de cada mulher ou as normas legais estabelecidas, mas em efetivar os direitos reprodutivos a partir de uma lógica neomalthusiana: a cirurgia de laqueadura é deferida, mas não sob o fundamento de que se trata da vontade da mulher, e, sim, porque a mulher é hipossuficiente financeiramente.
Abstract Tubal ligation surgery in Brazil is regulated by Law n. 9.263/1996, the so-called Family Planning Law. This law establishes a series of requirements that, if completed, guarantee women the right to undergo sterilization surgery through the Unified Health System – SUS. However, complaints about the ineffectiveness of the Law are not uncommon, for even when these criteria are met, surgery is not performed. In such cases, the conflict may reach the Judiciary, which will decide on the dispute. This article focuses on a specific case: in the state of Santa Catarina, between the years 2015 and 2016, there were frequent refusals to perform a sterilization, which led to the prosecution of several requests. Thus, the objective was to identify both the arguments used by hospitals and health plans for refusing surgery and the ones used by the magistrates for authorization of the procedures: whether the legal requirements were observed and whether the woman’s wishes were taken into account. In order to do so, we analyzed judicial judgments given in this time-space, from which it was possible to conclude that the judges apply the law indiscriminately, sometimes ignoring and sometimes stressing the requirements established in it, and also that there are remnants, perhaps not intentional, of a controlling thought, concerned not to respect the individual desire of each woman or the established legal norms, but to effect the reproductive rights from a Neo-Malthusian logic: the surgery of ligature is deferred, but not on the argument that it is about the woman’s desire, but rather because the woman is financially helpless.